Frase da Semana

" Ninguém ignora tudo, ninguém sabe tudo. Por isso, aprendemos sempre! "

Paulo Freire

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Lançamento do livro "Psicanálise e Texto"

Coletânea "Psicanálise e Texto" reúne ensaios que articulam a disciplina com o cinema, a literatura e as artes
Sobre o divã, o irlandês romancista e revolucionário no campo da literatura James Joyce. Ou o russo e inovador Fiódor Dostoiévski. Também pode ser o brasileiro Caio Fernando Abreu ou o diretor italiano Nanni Moretti. Os artistas em suas múltiplas formas de expressão não deitam no tradicional sofá de psicanalista para refletirem sobre si mesmos, como pacientes comuns nesse tipo de consultório. De fato, eles não estão sob análise de forma alguma. Pelo contrário, a razão de cada um estar em foco é outra, muito particular: provocar meditações sobre a atividade psicanalítica.

Obra do escritor irlandês James Joyce chama a atenção de estudiosos da psicanálise


O livro "Psicanálise e Texto", lançado dia 20 de setembro as 19 hrs na Livraria Leitura do Shopping Del Paseo, reúne 14 artigos que trabalham, pelas palavras de nove psicanalistas, conexões da psicanálise com linguagens artísticas. A obra é o resultado de uma das atividades realizadas na Escola Letra Freudiana, associação de psicanalistas em vigor desde 1981 com o objetivo de trabalhar o legado de Sigmund Freud e Jacques Lacan, respectivamente considerados inventor e reinventor da corrente, sob a ótica da conexão entre a prática clínica e a textualidade, independentemente do suporte. Por conta disso, o livro reúne textos ligados à literatura e ao cinema, ainda que outros trabalhos já tenham sido desenvolvidos articulando pintura, teatro e música.

O próprio Freud acreditava que alguns escritores haviam conseguido incitar em personagens literárias certas questões, sutilezas, contradições e conflitos que ele depois perceberia em pessoas reais, sobre o famoso divã. "De alguma maneira, ressoa na arte alguma coisa que você encontra na experiência clínica", aponta Francisco José Santos, um dos psicanalistas e autores do livro. "As duas (arte e psicanálise) trabalham com os mesmos mistérios do ser humano. Por que a gente nasce? Por que a gente está aqui? O que eu quero? O que eu desejo?".

Interrogar
Diferentemente do que se pode pensar, nenhum desses textos busca analisar, "freudianamente" falando, qualquer dos mitos literários ou cinematográficos contemplados. "A gente não usa nada da literatura, nem do cinema, nem do teatro, nem da arte em geral para ilustrar a psicanálise.

É muito mais para provocar um trabalho nos analistas", explica o autor. "A gente pega uma obra de arte para que ela interrogue o analista, faça ele trabalhar".

Cada texto funciona, como os autores metaforizam, como a articulação ou dobradiça que permite o movimento à porta: é um ponto de partida para reflexões a serem tomadas por um profissional ou "qualquer pessoa atravessada pela psicanálise". "Essas obras nos trazem algumas luzes para trabalhar conceitos da psicanálise e tentar compreender a partir delas", define a psicanalista Maria do Socorro Bulcão, que participa da coletânea com dois trabalhos. "São textos que nos ajudam a pensar a psicanálise, porque trabalhar com o inconsciente não é uma coisa tão simples assim".

A cisão entre consciente e inconsciente humanos representa um dos focos da atenção desses profissionais e, consequentemente, dos textos produzidos para a coletânea. "Numa análise, você aprende a reconhecer que o inconsciente está aí e causa efeitos em você. Você nunca vai saber por inteiro, mas vai aprender a trabalhar com isso", explica o psicanalista Francisco José Santos. De acordo com o especialista, a análise fomenta a descoberta do indivíduo sobre a influência daquilo que é tão interno, próprio e não-discernido sobre suas escolhas amorosas e profissionais ou mesmo na forma de lidar com os amigos ou com o sexo. "A psicanálise não se preocupa com uma adaptação social ou com uma ideia harmônica de felicidade. O analista não está interessado na saúde mental, mas na relação do sujeito com o seu desejo", resume Santos.

"Para Lacan, o inconsciente é estruturado em uma linguagem cifrada. A análise quer decifrar essa linguagem", explica a psicanalista Maria do Socorro Bulcão. Em um momento de análise, cada sujeito propõe um texto oral para pensar suas próprias condições. Mas essa reflexão vem com limites. Um sonho, por exemplo, é possível de ser interpretado e ressignificado, mas chega um ponto em que se torna impossível continuar a decodificar e o sentido se esgota. É assim que obras como a de James Joyce, que alcançou sua meta de perturbar os universitários por trezentos anos, rimam com os objetos da psicanálise. "Uma coisa que é escrita nem sempre é legível", afirma o escritor Francisco José Santos. Ulisses, por exemplo, publicado pela primeira vez em 1922, é até hoje uma tradução dificílima e uma leitura lenta, tanto pelos trocadilhos, neologismos e referências históricas e literárias utilizadas, quanto pelo vocabulário de mais de 30 mil palavras.

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