As cidades de leitores
Na continuação da série sobre os
baixos índices de leitura registrados em Fortaleza, os exemplos positivos
adotados em outras cidades. Reportagem do Jornal O povo.
Como se constrói uma cidade de leitores? A pergunta
é complexa, mas a resposta é menos difícil do que parece. Está embutida nos
problemas e carece mais de ações efetivas, articuladas entre poder público e
sociedade, que de ideias mirabolantes. À leitura obrigatória, enfadonha, apenas
avaliativa das escolas, aplique doses generosas de leitura por prazer. Contra a
falta de hábito leitor entre os próprios professores, livros como antídoto: dê
também a eles a chance de escolher o que querem ler, para além do exigido pelo
plano de aula. Ante a ausência de profissionais capacitados para estimular práticas
leitoras, forme bibliotecários, líderes comunitários, professores; torne-os
multiplicadores de leitura. Se as bibliotecas são poucas, que sejam boas: torne
o espaço agradável, renove constantemente o acervo, faça uma ponte com outras
linguagens e tecnologias.
Foi para atacar essas deficiências, com as ações
citadas acima, que nasceram projetos como o São Paulo Um Estado de Leitores,
implantado desde 2003, e Rio Uma Cidade de Leitores, a partir de 2009. Em ambas
as iniciativas, um ponto em comum: vontade política. “Falta o governo embarcar
numa ideia, vestir a camisa, investir recursos para que se crie um conjunto, um
guarda-chuva de ações, todas interconectadas”, diz José Luiz Goldfarb, mentor
dos programas nos dois estados, doutor em História da Ciência, mestre em
Filosofia e curador do prêmio Jabuti de Literatura – principal comenda do
mercado editorial brasileiro. Para ele, “a tragédia no Ceará, em São Paulo, no
Rio de Janeiro, e em muitos estados brasileiros, é que nossos políticos não
leem”.
Onde se decide ter uma política pública de
incentivo à leitura, diz Goldfarb em entrevista por telefone, é preciso agir em
três eixos: ampliação e renovação constante de acervo – não só o das escolas –,
formação de multiplicadores de leitura nas comunidades, nas salas de aula e nas
bibliotecas, além de promoção do livro, do hábito de ler em todas as mídias
possíveis: da internet ao outdoor. Dentro de cada eixo, ações específicas e
cotidianas que garantam o sucesso da iniciativa.
No Rio de Janeiro, exemplifica Goldfarb,
coordenador do programa implantado lá, a renovação do acervo se deu não apenas
em nível pedagógico ou restrito às bibliotecas escolares. Mas entre os
professores, com a criação do projeto “Biblioteca do Professor”. “Desde 2009, a
cada três meses, cada professor da rede ganha dois livros: um de literatura
nacional e outro de literatura estrangeira. Ao longo de quatro anos, o
professor criou uma biblioteca sua, com livros de sua preferência”, conta ele.
A ideia surgiu do diagnóstico de que mais de 60% dos professores não liam por
prazer. “Claro que o professor lê, mas as leituras que são necessárias para o
seu trabalho. A leitura por prazer é a pessoa que lê uma quantidade de livros
muito alta por ano porque ela junta ao seu lazer, ao seu entretenimento a
leitura”, diz Goldfarb.
Sabendo que a leitura obrigatória atrai menos ainda
o jovem, em ano de Bienal do Livro, caso deste, cada escola do município
carioca recebe um vale entre R$ 600 e R$ 900 para abastecer sua sala de
leitura, além do vale recebido pelos professores e alunos. “O jovem não volta
pra sala de leitura, pra biblioteca, se não tem novidade. Tem de ter renovação,
tem de ter aumento de novidades. Se a gente quer criar uma cidade de leitores,
a gente precisa passar por essa questão da leitura por prazer”, enfatiza
Goldfarb.
Mobilização
Oferecer formação a professores, bibliotecários e
líderes comunitários, com metodologias específicas, é outra ação do projeto.
“Um bom projeto de incentivo à leitura tem de envolver vários atores da
sociedade brasileira. Não é o Estado sozinho, não é o prefeito sozinho, o
secretário de cultura sozinho. A leitura, para se tornar um hábito, precisa de
uma mobilização”, ressalta ele. Daí o envolvimento de ONG’s que podem se
aproximar do poder público misturando linguagens como o teatro ou audiovisual,
envolvendo a família e a comunidade no processo de estímulo à leitura. Um
exemplo é o projeto Teatro Literário. “A gente criou um grupo de teatro que
leva pros palcos pequenos contos de machado de Assis e Lima Barreto”, ele
cita.
“O último eixo é muito importante, é o da promoção.
É um esforço da sociedade para conseguir usar a mídia para a promoção do livro.
Daí apoiar uma feira do livro, um prêmio literário, e atrair as atenções para o
livro, para a leitura”, diz ele, citando ainda o Twitter e o Facebook do
programa Rio Uma Cidade de Leitores, que promove não só as ações realizadas lá,
mas também as de outros estados.
Goldfarb também já passou por estados como
Tocantins e Mato Grosso do Sul dando consultorias para a implantação de
projetos de leitura. Em cada lugar, realidades distintas que lhe ensinaram que
não é possível dissociar responsabilidades. É necessária uma articulação dentro
do próprio poder público. Por exemplo, das secretarias de educação e de
cultura. “A educação tem uma limitação em que o recurso tem de ser aplicado nas
escolas. Mas está geralmente na alçada da Cultura a rede de bibliotecas
públicas, que são essenciais para a leitura do município. A educação tem as
escolas, a cultura tem a vantagem da capilaridade, pode trabalhar com outras
faixas etárias, outros espaços”, detalha.
Sobre ações de formação do leitor ressaltadas pela
Secretaria de Cultura do Estado (Secult), como o projeto Agentes de Leitura,
Goldfarb chama atenção para a constância e a abrangência dos projetos. “Os
agentes de leitura são um projeto excelente, mas junto a ele tem de criar
outros eixos de atuação”. No caso da Bienal Internacional do Livro, outra
iniciativa relacionada à política de leitura do Estado, ele lembra que “se essa
atividade não for muito articulada com um projeto que dure 365 dias, fica muito
isolada, tem muito tititi, muito confete, mas não resolve o problema. As festas
têm de ser o coroamento de um trabalho, e não o trabalho”, conclui.
SERVIÇO
Biblioteca Pública
Menezes Pimentel
Onde: Av. Presidente Castelo Branco, 255, Centro
Funcionamento: de 8h às 18h
Outras informações: (85) 3361-1930
Biblioteca Pública Dolor
Barreira
Onde: Av. da Universidade, 2572, Benfica
Funcionamento: de 9h às 17h
Outras informações: (85) 3254-6041
Saiba mais
Ações e metas previstas no Plano Municipal de
Cultura para as políticas de livro e leitura:
- De acordo com o Regimento Interno do Conselho
Municipal de Política Cultural (CPMC) (Art. 15), até 2014 deverá funcionar e
ser estruturado o Fórum Permanente de Literatura, Livro e Leitura.
- 05 bibliotecas por Regional vinculadas à Rede de
Bibliotecas Públicas Municipais até 2022.
- Entre as ações previstas, estão a criação de
bibliotecas com instalações adequadas, contemplando boas condições de
iluminação e ventilação; e apresentando todos os recursos de acessibilidades
necessários para atender o público; a contratação de corpo técnico
especializado para o funcionamento das bibliotecas; e a realização de oficinas,
seminários e eventos que envolvam a prática da leitura para professores,
estudantes e moradores das regionais.
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