O caminho se descobre caminhando
Pela terceira vez o sino tocou e Marta tentou ficar indiferente ao apelo da “última chamada” a que tantas vezes estivera atenta. Aquele som trazia à sua mente tantas lembranças, algumas tão bonitas que dava gosto vê-las ali presentes, como se o tempo voltasse e ela pudesse sentir o cheiro do vestido novo e a algazarra dos irmãos e vizinhos a caminho da missa.
Naquele tempo seus pais não a dispensavam de ir à igreja, mesmo com as fingidas dores de barriga — desculpa que só servia para causar riso aos parentes — e assim foi se acostumando à obrigação. Mais tarde, já adolescente, descobriu que a obrigação poderia ter suas vantagens quando teve início a primeira paquera.
No dia do casamento estava deslumbrante em seu vestido de noiva e, mesmo sem nenhuma convicção, cumpriu o ritual do sacramento que mais tarde estaria esquecido numa longa e tumultuada separação.
“Assim como o corpo sem o sopro da vida é morto, assim também é morta a fé sem obras”. A carta de Tiago 2,26 fora lida num dia qualquer da infância. Não entendia por que a memória registrara esta frase e também nunca parou para pensar em seu sentido.
Hoje, passado tanto tempo, vivendo as dores de uma vida vazia, não via sentido em ir à igreja. Ademais, de que adiantaria? Durante o tempo em que a frequentara sua vida não fora melhor. Nem mesmo o sacramento da união conjugal evitara a catástrofe da separação.
E agora essa circunstância de estar morando tão próximo de uma igreja e este sino tocando, como um apelo... As lembraças eram tantas e tão confusas que não resistiu e foi à missa. Na homilia o padre contava a seguinte história:
Um jovem interrogou ao seu mestre a razão de não melhorar a sua vida, mesmo com os bons ensinamentos do sábio, ao que ele respondeu:
— Meu jovem, o bairro onde você mora é distante?
— Sim, mestre.
— Você conhece bem o caminho a ponto de ser capaz de ensinar a alguém que queira chegar lá?
— Sim, explico o caminho de maneira a não deixar dúvida — respondeu o jovem.
— E você acha que só com suas explicações a pessoa chega lá?
— Não, mestre. A pessoa tem de pegar o ônibus até o terminal, de lá pegar outro ônibus e, ao descer no bairro, tem de procurar a rua onde moro.
— Pois é isso que eu quero lhe explicar: os ensinamentos são assim: eu explico da melhor maneira possível, de modo que todos possam entendê-los, mas só existem transformações em quem realmente os pratica. O caminho é explicado para todos, mas cada um tem de percorrê-lo, fazendo sua própria experiência.
Marta ouviu atenta a história e sentiu uma mudança interior. Percebeu que o tempo todo estivera apenas ouvindo ensinamentos sem jamais praticá-los. Mas, ao invés de desespero, sentiu alívio ao pensar que os caminhos de Deus nunca se fecham e que é sempre possível percorrê-los.
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